Os sentimentos de impotência e injustiça que permeavam o Brasil na década de setenta tocavam os corações de muitos brasileiros. A ditadura militar retirou a liberdade de todos, a liberdade de ir e vir, de se expressar e de ser quem eram. Em algum lugar de Copacabana, bairro da Zona Sul do Rio de Janeiro, tudo isso incomodava um jovem. Esse jovem viria a se tornar um renomado fotojornalista, mas esse é um assunto para os próximos parágrafos.
Formado em Comunicação Social, Rogério Reis nasceu no Engenho Novo, bairro que faz parte do subúrbio do Rio de Janeiro. Mudou-se outras duas vezes: na pré-adolescência, para a Tijuca, e, na juventude, para Copacabana, onde permanece até hoje.
O interesse pela fotografia surgiu nos anos 70, uma época marcada pela ditadura militar em todo o Brasil. Nesse período, o movimento da contracultura desempenhava um papel significativo nos aspectos cultural, social e político. A atmosfera de contracultura influenciou sua juventude, levando-o a buscar caminhos alternativos e não convencionais, como a fotografia. Rogério optou por seguir essa profissão desde cedo, influenciado pela busca de algo diferente dos caminhos mais tradicionais, como medicina, economia e engenharia.
"Era comum pegar uma câmera em casa e sair para fotografar, mas a minha primeira experiência não foi tranquila. Eu tinha 18 anos e estava em Ipanema, em meio ao ambiente hippie, no calçadão. Era comum que eles ficassem cantando na areia, mas nesse dia estavam na orla, e a cultura hippie ameaçava um pouco o contexto político da ditadura. Acabei sendo preso durante uma dispersão policial enquanto fotografava essa reunião no calçadão. Fui levado para a delegacia. Meu pai foi até lá e conseguiu me tirar, mas não devolveram os filmes. Fiquei chateado, era uma questão de liberdade. Foi um episódio traumático, mas reflexo do clima da época”, comenta Rogério.
Na faculdade, Rogério vivenciou experiências que aprofundaram sua compreensão sobre fotografia. Foi durante a graduação que ele tomou conhecimento do programa de intercâmbio entre empresas e decidiu participar. Por meio dessa oportunidade, ingressou no Jornal do Brasil em 1977, iniciando sua jornada como estagiário.
"Lembro quando cheguei no Jornal do Brasil para a entrevista. O prédio do jornal me deixou deslumbrado. Os nove andares do jornal estavam totalmente decorados com fotografias dos fotógrafos da equipe. As paredes dos nove andares tinham fotografias em todos os lugares, exceto nos banheiros. Lembrava uma galeria de fotografia, e eu gostava muito disso. Percebi que o jornal tinha uma programação visual completa, com fotografias decorando todo o ambiente. Pensei: 'Aqui, a fotografia tem importância'", conta.
Para Rogério Reis, o Jornal do Brasil era a extensão de casa, por vezes dormindo no local, com a premissa de que precisava ver tudo acontecer e fazer parte da notícia. Gradativamente, conquistou cargos dentro do jornal, sendo estagiário, fotógrafo e, posteriormente, editor de fotografia, entre 1991 e 1996.
Concomitantemente à trajetória no Jornal do Brasil, na década de 80, Rogério participou da Agência F4, atuando na criação, produção e distribuição de pautas, considerado um jornalismo independente e autônomo. Além da extensa experiência no Jornal do Brasil, ao longo de sua carreira passou por outros veículos de comunicação, como O Globo e Veja!.
Diante de tantas histórias marcantes na atuação como fotojornalista, uma das fotos que mais marcaram a sua carreira foi registrada em 1989, intitulada "Surfistas de Trem”.
"Quando eu estava na F4, em 1989, tinha uns casos de uma garotada que "surfava" no teto dos trens do Ramal Japeri, lá na Central do Brasil (estação de trens, localizada na região central do Rio de Janeiro). Meu colega de trabalho, Ricardo Azoury, e eu fomos lá investigar a pauta.
Então, antecipadamente, descobrimos quem eram esses surfistas e entramos em contato com eles. Nós montamos uma relação de confiança com eles, que é fundamental nesses casos, né? Essas ações eram muito reprimidas, porque atrapalhavam os usuários dos trens e o fluxo das viagens.
Marcamos com eles no ramal de Japeri, e eu me lembro que foi uma grande aventura. O surfista vai lá fora, no teto, e vai surfando de frente. Eles iam se equilibrando e desviando, abaixando a cabeça um pouco para a esquerda, depois para a direita. E o fotógrafo de costas. Então nós tínhamos que ter essa relação de confiança com o primeiro surfista, que está diante de você, porque ele que orientava a gente.
Ricardo e eu ficamos na janela, colocamos o corpo do lado de fora e fotografamos. Às vezes, eu nem chegava a subir, não ia com o corpo bem de fora. Aquela prática, depois de um tempo, acabou por causa do perigo e da repressão. Mas, chamou a atenção para o mundo, não além do suficiente. Afinal, era realmente mais excitante surfar no trem do que nas ondas? Talvez, né? Enfim, até hoje a foto é republicada, tem uma grande circulação pelo mundo e acabou sendo cartaz em uma exposição de fotografia moderna e contemporânea, no Brasil.
Lembro que eu usava uma lente grande-angular, nem olhava no visor, mais ou menos calculava: "o cara está a 3 metros e estou fotografando". Foram várias viagens e muitas fotografias. Depois, você tira muitas fotos e faz a edição, escolhendo as melhores. Eu subia por uma janela, o Ricardo por outra. Eu fazia fotos em preto e branco, como eu falei, e a Maíra, minha mulher até hoje, ficava dentro do vagão cuidando do equipamento. Então, de vez em quando, a gente gritava: "passa a lente tal", e ela entregava. Também, quando aparecia a polícia, os surfistas pulavam para dentro do trem e a gente também dispersava ali, descia numa estação, na próxima, logo quando o trem parava.
Nos casos em que a nossa ação era desarticulada por questões de uma blitz policial, já sabíamos que isso acontecia eventualmente, então dispersávamos. Cada um pegava o seu caminho. Meia hora depois, a gente marcava um encontro em uma praça principal lá em Japeri para discutir as próximas estratégias".
Ao longo da trajetória profissional, Rogério Reis expôs outros trabalhos marcantes, como “Na Lona”, “Travesseiros Vermelhos” e “Ninguém é de Ninguém”. Até hoje, a sua arte segue perpetuando por diversos locais do mundo, incluindo China, Buenos Aires e Paris, e até mesmo, na orla da praia de Copacabana, com a estátua do poeta Carlos Drummond de Andrade, reproduzida a partir de uma foto registrada em 1982.
Para o jovem que teve seus filmes apreendidos pela polícia durante a ditadura militar, não houve limites que pudessem impedí-lo de registrar as cenas mais sensíveis e verdadeiras do cotidiano.
Fotojornalista: Rogério Reis
Instagram: https://www.instagram.com/rogerioreis.fotos/
Escrito por Eduarda Ferreira.